Reinaldo

Governo de Chissano foi pressionado por Lula para favorecer as empresas Vale, Odebrecht e Andrade Gutierrez

Um livro da jornalista brasileira Amanda Rossi confirma várias desconfianças que os moçambicanos tinham: o Governo de Moçambique, liderado por Joaquim Chissano, foi pressionado pela Administração de Lula da Silva para favorecer as empresas brasileiras Companhia Vale do Rio Doce, Odebrecht e Andrade Gutierrez.
Um dos capítulos do livro, que vai ser lançado esta semana no Brasil pela editora Record, revela como o governo Lula e a diplomacia brasileira fizeram lobbies em 2004 junto do Governo moçambicano, na altura liderado por Joaquim Chissano, para favorecer a Companhia Vale do Rio Doce, na licitação pela concessão durante 25 anos da exploração das minas de carvão mineral em Moatize, que na altura envolveu também as empresas BHP Billiton, Rio Tinto e Anglo American.
As minas de Moatize, como são conhecidas, constituem hoje o maior empreendimento brasileiro no continente africano.
A jornalista diz que todos esses documentos “ganharam o carimbo de ‘secretos’ em 2012, o segundo maior grau de sigilo previsto pela Lei de Acesso à Informação, válido por 15 anos”. Ou seja, a “consulta pública só deve ser aberta a partir de 2018, para os mais antigos, e em 2024, para os mais recentes”.
Numa mensagem a Brasília a 17 de Novembro de 2004, a então embaixadora brasileira em Maputo, Leda Lúcia Camargo, comemora a vitória da Companhia Vale do Rio Doce. Entre outras afirmações, diz que o perdão da dívida externa de Moçambique com o Brasil “contribuiu” para a vitória da mineradora.
O telegrama referia-se ao facto de que em Agosto de 2004, cerca de três meses antes de a Companhia Vale do Rio Doce vencer a licitação para explorar as minas de Moatize, o então Presidente Luís Inácio Lula da Silva havia oficializado o perdão de 315 milhões de dólares norte-americanos em dívida de Moçambique com o Brasil.
A intenção de perdoar a dívida era antiga. Havia sido anunciada por Fernando Henrique Cardoso, em Julho de 2000. Mas o processo só andou durante o Governo de Lula e no mesmo período em que a Vale disputava o direito de explorar as minas de carvão.
Lula + Chissano + BNDES igual a minas de Moatize
A embaixadora Leda Camargo enumera as acções do Estado brasileiro que teriam fortalecido a Vale no processo de licitação. “Parece-me ter ajudado no desfecho dessa concorrência […] a visita a Maputo do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento do Brasil (BNDES)”, escreveu a diplomata.
Em meados de 2004, o então presidente do BNDES, Carlos Lessa, veio a Moçambique na companhia do presidente da Vale, Roger Agnelli. A jornalista Amanda Rossi escreve que “cerca de um mês depois, Lula recebeu em Brasília o chefe de Estado moçambicano, Joaquim Chissano, e indicou que o BNDES poderia participar do projecto de Moatize”.
“Outro factor que contribuiu (para a vitória da Vale), com toda a certeza, para a boa vontade (que nitidamente se percebia crescente) do lado das autoridades moçambicanas, foi a assinatura do perdão da dívida pelo Brasil. Coube à Comissão Interministerial, sob a chefia da então Primeira-Ministra Luísa Diogo, que gerira por aquela assinatura, aprovar o parecer dos técnicos locais e internacionais a favor da Vale”, escreveu a embaixadora Leda Camargo.
O livro “Moçambique, o Brasil é aqui” dá conta de que o perdão da dívida de 315 milhões de dólares norte-americanos foi “o maior cancelamento de débitos concedido pelo Brasil”.
Em entrevista a constar no livro “Moçambique, o Brasil é aqui”, Lula justificou-se dizendo que o Brasil tinha “interesse estratégico” na vitória da Vale: “A Vale é uma empresa brasileira. Era muito mais interessante que ela estivesse na mina de Moatize do que os chineses. (…) O minério é uma coisa estratégica para qualquer país do mundo. E sobretudo quando se trata de carvão, que o Brasil não tem”.
Leda e as autoridades ligadas às relações exteriores disseram à autora do livro que não poderiam comentar o teor de mensagens “secretas”. A Vale afirmou, em comunicado, não ter “nenhuma relação com o tema”.
Roger Agnelli, então presidente da Vale, foi um dos oradores convidados para o jantar de despedida de Leda de Moçambique, no final de 2007.
“O perdão e as obras”
O perdão da dívida moçambicana também abriu a possibilidade para que o BNDES pudesse financiar obras de empreiteiras brasileiras naquele país. “A Vale foi a âncora do Brasil em Moçambique. Depois dela, as primeiras multinacionais brasileiras a desembarcarem no país africano foram grandes construtoras”, anota a jornalista Amanda Rossi no capítulo “O perdão e as obras”.
Para viabilizar as infra-estruturas de escoamento do minério extraído pela Vale, as empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez obtiveram empréstimos de bancos oficiais brasileiros.
A primeira obra construída com esses financiamentos foi o Aeroporto Internacional de Nacala, na província de Nampula, construído pela Odebrecht com um financiamento de 125 milhões de dólares norte-americanos do Banco Nacional de Desenvolvimento do Brasil.
Em seguida, a empreiteira Andrade Gutierrez obteve do mesmo banco outros 466 milhões de dólares norte-americanos para a construção da barragem de Moamba-Major na província de Maputo, iniciada no ano passado.
Até o fim de 2014, observa a autora do livro, o Brasil já havia emprestado a Moçambique outros 132 milhões de dólares norte-americanos.
Aos olhos da jornalista Amanda Rossi, Moçambique é o país mais interessante visando mostrar a chegada do Brasil em África porque concentra as maiores investidas do país no continente. “Se quisermos ver como o Governo brasileiro apoiou os negócios de empresas brasileiras, nada melhor do que observar a história do maior empreendimento do Brasil em África: a exploração de carvão da Vale. Moçambique é ainda o país africano que mais despertou o interesse do agro-negócio brasileiro (numa clara alusão ao ProSavana). Além disso, foi um dos países mais cobiçados pelo Brasil para apoiar a reforma do Conselho de Segurança da ONU”, explica Amanda.
*Por UOL/ jornal Diário da Manhã/ Redacção

Governo de Chissano foi pressionado por Lula para favorecer as empresas Vale, Odebrecht e Andrade Gutierrez *


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Questão Brasil - 09/04/2019

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